BBC Brasil - Em entrevista à BBC Brasil,
Maierovitch diz que o PCC ainda não alcançou o peso econômico de antigos grupos
mafiosos italianos ou de cartéis colombianos e marroquinos. Mas diz que a
facção paulista vem expandido sua atuação e tem força suficiente para influenciar
a votação em outubro.
Segundo o desembargador, há relatos de que o PCC
patrocina eventos de igrejas na periferia de São Paulo. Afirma ainda que
facções criminosas têm interesse em se infiltrar no poder político para
costurar acordos que reduzam a repressão policial em certas áreas. Segundo ele,
um acordo desse tipo já vigora na periferia de São Paulo.
"A polícia não vai à periferia, onde o PCC
atua livre, leve e solto. Há uma lei do silêncio na periferia de São
Paulo."
Ex-desembargador Wálter Maierovitch |
Em nota à BBC Brasil, a Secretaria de Segurança
Pública de São Paulo contestou as declarações; leia o posicionamento da pasta
ao fim da entrevista.
A preocupação de que facções influenciem o
resultado da eleição deste ano já foi ecoada pelo presidente do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, e pelo ministro do Gabinete de
Segurança Institucional da Presidência, Sérgio Etchegoyen. Ambos têm dito que o
fim da possibilidade de que empresas façam doações eleitorais abrem espaço para
que o crime organizado financie candidatos por fora.
Ex-professor de Direito Penal da Universidade
Mackenzie (SP), Maierovitch se aposentou como desembargador do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo em 1998 para assumir a então Secretaria Nacional
de Políticas Antidrogas, no governo FHC.
Em 1993, fundou o Instituto Brasileiro Giovanni
Falcone de Ciências Criminais. O órgão foi batizado em homenagem ao principal
juiz da Operação Mãos Limpas, que combateu a rede de corrupção entre grupos
mafiosos e políticos italianos nos anos 1990. Ele foi morto em 1992 a mando da
Cosa Nostra, a máfia siciliana, ao viajar por uma estrada forrada com dinamite.
Cidadão brasileiro e italiano, Maierovitch será
candidato a deputado na próxima eleição para o Parlamento italiano, em março.
BBC Brasil - Em 2014, o senhor disse que o PCC
estava em um estágio pré-máfia. A situação mudou?
Wálter Maierovitch - A situação piorou com relação à segurança pública. Naquela época,
falei em pré-máfia porque o PCC e as outras organizações a que se aliou têm o
controle de territórios, principalmente na periferia de São Paulo, e têm o
controle social dos presos nos presídios. Basta atentar para as rebeliões, quando
os presos são usados como massa de manobra.
São dois dados de identificação de organizações
criminosas de matriz mafiosa. O que faltava ao PCC - e ainda falta - é a
transnacionalidade.
A situação piorou porque o PCC passou a atuar
transfronteiriçamente - nas fronteiras e do lado de lá das fronteiras no
Paraguai e na Bolívia. Então aumentou sua musculatura.
BBC Brasil - Qual a diferença entre atuar
transnacionalmente e transfronteiriçamente?
Maierovitch - Falta ao PCC investir o dinheiro lavado do crime em outras atividades e
ganhar força econômica, ampliar seu "PIB". A máfia calabresa, por
exemplo, investia na bolsa de Frankfurt. O PCC ainda tem uma atuação econômica
pouco sofisticada e proporcionalmente pequena se comparada ao peso do narcotráfico
na economia da Colômbia ou do Marrocos.
Hoje a criminalidade é mundial, existem redes que
colocam drogas e armas à disposição em qualquer parte do mundo. O PCC não
consegue montar uma rede própria para expandir serviços fora do Brasil e fazer
com que outras organizações se unam a ele. Pelo contrário, ele tende a se
plugar a redes internacionais já existentes.
BBC Brasil - O PCC tem o poder de influenciar as
eleições deste ano?
Maierovitch - Essa
possibilidade existe. Quando o legislador italiano fez um projeto de lei que se
tornou a lei antimáfia, foi colocado um artigo que aumenta a pena quando o
membro da organização criminosa influencia nas eleições.
Está muito claro que toda organização criminosa de
matriz mafiosa pode ter influência em eleições. Em São Paulo, por exemplo, já
tivemos um tempo em que o PCC ousou lançar um candidato a vereador. Não
prosperaram, pois a candidatura foi impugnada. Agora o que ocorre são
candidatos procurarem o apoio do PCC.
BBC Brasil - Como se dá essa relação?
Maierovitch - O PCC está muito infiltrado na sociedade. Em São Paulo, há informações
de que ele patrocina festas de igrejas, quermesses. E como toda organização
criminosa de matriz mafiosa, o PCC tem poder intimidatório. Como ele controla
territórios, quando lança um nome ou uma ordem, as pessoas ficam com medo e
obedecem.
A Sicília demonstrou que essa estratégia funciona
no período eleitoral. Durante anos, a Democracia Cristã, o maior partido
italiano do pós-guerra, tinha todos os votos na Sicília quando era liderada
pelo então primeiro-ministro Giulio Andreotti (nos anos 1970 e 1980). Era o
partido majoritário, ligado à máfia. Tanto que Giulio Andreotti foi condenado
por associação à máfia e só não foi preso porque o crime prescreveu.
Quando a Democracia Cristã foi incapaz de parar o
chamado maxiprocesso conduzido pelo juiz Giovanni Falcone, que fez todos os
chefões mafiosos virarem réus, a máfia rompeu com o partido. A Cosa Nostra
siciliana determinou então que se votasse em outro partido.
BBC Brasil - Como os conflitos entre facções nos
Estados, que têm se acirrado nos últimos tempos, podem impactar a disputa
eleitoral?
Maierovitch - Ataques
feitos por organizações criminosas a pontos estratégicos no período eleitoral
ou no dia da eleição vão fazer com que as pessoas tenham medo de votar e não se
desloquem.
E mais do que isso, no Brasil, presos provisórios
não perdem direitos políticos, porque não têm condenação definitiva. Como o
sistema prisional brasileiro não faz separação entre presos provisórios e
definitivos, esses presos vão para cadeias dominadas pelo crime organizado e
podem ser facilmente cooptados para votar em candidatos apoiados pelas facções.
BBC Brasil - As mudanças nas regras das campanhas,
com maiores restrições a doações, abrem espaço para que facções financiem
candidatos por fora?
Maierovitch - Quem se
aproxima de organizações criminosas normalmente se aproxima para obter votos,
porque elas exercem uma intimidação difusa, controlam territórios. Mas essas
organizações, como mexem com atividades ilícitas que geram lucro, como o
tráfico de drogas, evidentemente podem, sim, financiar campanhas.
BBC Brasil - Quais os interesses das facções em se
infiltrar na política?
Maierovitch - Elas
podem querer expandir, por exemplo, o que já ocorre em São Paulo com o famoso
acordo entre o PCC e o governo do Estado. A polícia não vai à periferia, onde o
PCC atua livre, leve e solto. Há uma lei do silêncio na periferia de São Paulo.
Isso significa o controle do território, não ser importunado pela polícia, ter
facilidade no tráfico de drogas.
BBC Brasil - As facções já estão presentes na
política brasileira?
Maierovitch - Não sei
se já existe uma infiltração de organizações do tipo PCC. O que existe é a
proximidade entre políticos e facções para a obtenção de votos em período
eleitoral. E, na Lava Jato, ficou clara a existência de empresas fazendo o
papel de organizações mafiosas, atuando no sentido de sugar o Estado.
É uma atuação parasitária. Essas empreiteiras
atuaram segundo regras do crime organizado para obter contratos e superfaturar
obras.
BBC Brasil - Qual a capacidade que governos e
Judiciário têm em evitar a influência de facções nas eleições?
Maierovitch - Não
estão preparados. Esse fenômeno se expande pelo Brasil cada vez mais, o que mostra
despreparo do governo federal. O governo federal deixa a questão para os
Estados, como se não se tratasse de um fenômeno que ataca o Estado Democrático
de Direito.
Não é só este governo que não toma providências, os
anteriores também. A atitude de tirar o corpo começa no governo FHC, que não
entendeu isso como uma questão federal - embora se faça presídio federal e
tenha se criado uma Força Nacional de Segurança.
Então existe um grande risco. É uma questão
policial. O que a Justiça pode fazer diante desse quadro? Muito pouco. Ela pode
apenas se apropriar de informações importantes das comarcas, dos juízes
eleitorais.
BBC Brasil - Por que nunca houve no Brasil uma
operação com a dimensão da Lava Jato, que mobilizasse várias instituições,
contra as facções criminosas?
Maierovitch - Porque não interessa ao governo federal. Esse combate é muito difícil.
Veja as máfias na Itália - Cosa Nostra, Ndranguetta, Camorra. São mais que
centenárias, de difícil combate.
O governo federal não quer se expor, ou se expõe
mal. Veja o Rio de Janeiro. Houve uma época em que o governo federal ameaçou
entrar para resolver a situação, e o então governador Anthony Garotinho queria
comandar o Exército. O governo federal não se impôs.
BBC Brasil - Com a promessa de adotar uma linha
dura contra o crime se for eleito, o deputado federal Jair Bolsonaro tem
crescido nas pesquisas para presidente. Como avalia o fenômeno?
Maierovitch - Vão
sempre aparecer aqueles que se aproveitam da deterioração da situação.
Evidentemente, hoje se fala em anticorrupção e em endurecimento das leis,
porque a população sente a corrupção, viu o que houve com a Lava Jato, vê um
presidente da República sob o odor da corrupção. É um quadro difícil, em que a
população vive um clima de fla-flu. É o caldo perfeito para surgirem
oportunistas como Bolsonaro.
Em nota à BBC Brasil, a Secretaria de Segurança
Pública de São Paulo lamentou as declarações de Maierovitch e afirmou que elas
"não condizem com a realidade paulista".
"Não há áreas controladas por criminosos nem
local onde as forças de segurança não entrem." Segundo a pasta, entre
janeiro e novembro de 2017, foram apreendidas no Estado mais de 190 toneladas
de drogas e 14 mil armas de fogo.
A secretaria afirma que a eficiência no combate ao
crime resultou na queda nas taxas de homicídios em São Paulo, que passaram de
33,3 a cada 100 mil habitantes, em 2001, a 7,56 por 100 mil, em 2017.
O órgão não comentou a declaração de Maierovitch
sobre os vínculos entre o PCC e igrejas na periferia de São Paulo.
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