domingo, agosto 20, 2017

É fim da picada: PMs precisam até de aval do tráfico para entrar em sete favelas com UPPs

 O GloboUm grupo de policiais militares chega, por volta das seis da manhã, para render uma equipe que estava, desde o dia anterior, numa Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no Rio. Eles pedem autorização para entrar na favela a um mototaxista, que está parado num dos acessos ao morro. 

O homem se comunica por radiotransmissor com o chefe do tráfico. Enquanto a licença não é concedida, os policiais, fardados, esperam, amontoados na entrada principal da comunidade. O procedimento acontece em pelo menos sete das 38 UPPs do Rio.

Na Vila Cruzeiro, na Chatuba e no Parque Proletário da Penha — no Complexo do Alemão —, e também no Caju, na Mangueira, no São Carlos e na Rocinha, o estado voltou a perder o controle do território, num retrocesso à era pré-UPPs. Em alguns casos, os policiais são impedidos de entrar até em becos e vielas, como ocorre na Rocinha. Lá, o acesso deles é restrito às vias principais.
Os policiais também são proibidos pelo tráfico de usar o celular. Se os criminosos percebem o uso do aparelho, passam em carros com o cano do fuzil do lado de fora da janela e simulam a retirada do pino de granadas para intimidar a tropa.

A pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Candido Mendes, Silvia Ramos, autora de quatro pesquisas sobre o tema UPP, confirma que, atualmente, os policiais militares vivem um dilema: ou aceitam as imposições do tráfico ou trocam tiros com os criminosos, com o risco de baixas no lado deles e também de moradores de comunidades.

— Eles podem aceitar conviver com grupos armados ilegais e ocupar parte da comunidade, o que, de certa forma, significa aceitar não patrulhar toda a favela. Isso desmoraliza a tropa.

Outra solução é trocar tiros com os criminosos o tempo todo, o que é ruim para os policiais, que acabam vítimas, como também para os moradores. Temos que avaliar tudo com cautela. Vejo com muita preocupação o que está acontecendo hoje. Os policiais estão desestimulados. A solução é ter um trabalho de inteligência para a retirada das armas. Definitivamente, a solução não é disputar território e ficar trocando tiros com criminosos — opina a especialista em segurança pública.

Por nota, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora disse que não vai comentar o fato de os policiais terem que pedir autorização ao tráfico para entrar nas favelas.

Por sua vez, os policiais que precisam pedir licença para entrar em determinadas comunidades reclamam que não tiveram treinamento adequado para os enfrentamentos nas favelas. A maior parte dos 9.500 agentes que trabalham em UPPs (de uma tropa de 45.463) está um pouco acima da categoria novatos. A maioria entrou para a polícia no concurso de 2010, que admitiu 20 mil agentes.

Eles tiveram apenas seis meses de curso para aprender suas funções. A formação-relâmpago, que foi ampliada para oito meses e hoje já tem a duração de um ano, ganhou até o apelido de miojo, em referência ao macarrão instantâneo que fica pronto em três minutos.

— É desumano colocar um policial recém-formado direto numa área conflagrada há anos. A sobrevivência lá é muito difícil. Já vi um colega morrer do meu lado. Todo dia é uma batalha. Todos temos medo de morrer — disse um policial que trabalha numa favela com UPP.

Segundo ele, na época do Curso de Formação de Soldados (CFSD), a parte teórica era extensa, com disciplinas ligadas ao direito, além de técnicas para abordar as pessoas e mediar conflitos, justamente por causa da política implementada nas UPPs.

Em compensação, as aulas práticas de tiro, não seguiam o mesmo ritmo. O policial conta que só deu 200 tiros no curso inteiro de formação, quantidade que é gasta em poucas horas na guerra que vem sendo travada no Jacarezinho, na última semana.

O sociólogo Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Uerj, faz críticas ao treinamento:

— O treinamento é muito limitado. Temos uma tropa que atira pouco no curso, mas muito na rua, quando o ideal é o contrário. Há dois anos, já houve o reconhecimento de que o preparo dos policiais das UPPs era insuficiente para enfrentar determinadas situações de tensão.

Alguns foram treinados novamente, mas ainda não é o suficiente. Esse negócio de pedir autorização para entrar em favela já está acontecendo há algum tempo. E ainda há situações em que o policial recebe do tráfico. A corrupção é um problema sistêmico que abrange não só todas as patentes da polícia, como o Executivo, o Legislativo e o Judiciário

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