Há quase sete meses no comando da seleção, Tite
colhe o sucesso em forma de números: com ele, a seleção venceu os seis jogos
que disputou, sofreu apenas um gol e pulou da sexta colocação para a liderança
das Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa da Rússia. O sonho de levar o
Brasil ao topo no Mundial do ano que vem está tão vivo quanto o constrangedor
afastamento dos antecessores Felipão e Dunga.
–
Temos uma base para 2018 e para outra Copa do Mundo. Isso faz o olho brilhar –
diz o treinador, em entrevista exclusiva para o Jornal Extra.
Você
é adepto da linha dura?
Às vezes, demais. Mais com minha família do que
com o atleta. Aconteceu no fim do ano. Estava pilhado, mas feliz. E
sensibilizado com o acidente com a Chapecoense. Tive um atrito com minha filha
(Gabriele, de 20 anos). Eu estava errado e me desculpei no dia seguinte.
A
família se envolve com sua profissão?
Minha mulher (Rosmari) fica preocupada com os
atletas que se machucam. Deve ser porque eu me machucava muito. Ela não entende
muito, mas busca informação. E me dá uns toques. Às vezes, sou exigente demais
com um atleta. Ela me pergunta: “Quantos anos ele tem? Lembra quando você tinha
essa idade?”
Você
usa dois crucifixos no cordão. E marcou essa entrevista para uma sexta-feira
13. É supersticioso?
Não tenho superstição.
Quando vejo uma escada, faço questão de passar embaixo, mas dou uma olhadinha
pra cima antes (risos). Gosto do 13 e fui visitar o Zagallo três vezes. Ele é
um símbolo. Sobre religião, tenho uma ideia muito clara: a maior religião é
fazer o bem. Respeito qualquer crença.
Como
será a convocação da seleção, na próxima quinta-feira, para o amistoso com a
Colômbia, no dia 25, no Nílton Santos, quando somente jogadores que atuam no
Brasil serão chamados? Os clubes estão ainda em início de preparação…
Eles vão se apresentar
apenas um dia antes. Provavelmente, usarei duas equipes, cada uma jogando 45 minutos,
para não haver risco de estourar algum jogador. Vamos precisar do aval médico e
físico. Os escolhidos serão representantes dos dez ou 12 primeiros colocados do
Brasileiro. E quem for chamado terá possibilidade real de nova convocação no
futuro.
Sob
seu comando, a seleção venceu os seis jogos que disputou. Esperava o sucesso
tão rapidamente?
Considero um sucesso, e
aconteceu antes do que eu imaginava. É impressionante, porém, irreal. O futebol
não é assim. A construção de uma equipe não é assim. Estou satisfeito não
somente com os resultados, mas com a forma como os conquistamos. A gente tem
que saber por que vence, por que perde ou empata. Se isso não é diagnosticado,
ali na frente tropeçamos.
Está
pronto para a derrota?
Ela é inevitável, mas
estou querendo jogá-la o máximo possível para a frente. E digo para os atletas:
“Um dia, vamos sair perdendo um jogo, e quero ver como vamos reagir
emocionalmente”. Depois da vitória (3 a 0) sobre a Argentina, eu disse:
“Passou, gente. Vamos pegar um time extremamente competitivo, o Peru, e é muito
difícil marcar o Guerrero”. Mas o Marquinhos deu uma aula de como marcar um
pivô.
O
Guerrero do Flamengo é o mesmo do Corinthians?
É o mesmo Guerrero, porém a mecânica da equipe
é outra. No Corinthians, havia jogadas de infiltração e de lado. A equipe
potencializava o Guerrero. Quando eu soube que ele ia embora, dava soco,
pontapé e reclamava: “Não podem deixar o Guerrero sair”.
Por
que você foi a São Januário ver um jogo do Vasco?
Porque sei do talento do Andrezinho, o Luan
está na seleção e tenho admiração pelo Zinho (ex-auxiliar técnico do Vasco). E
tem o Douglas. É um jogador muito bom, que vai amadurecer. Essas coisas são
assim… Fui ver o Arão (do Flamengo), e o Muralha fechou o gol. Pedi que o
Taffarel buscasse o histórico dele, pois merecia a convocação.
Pode
antecipar se teremos jogadores do Rio no amistoso com a Colômbia?
Com certeza, teremos
alguns, representando as campanhas que os times fizeram. Estou falando de
Botafogo e Flamengo. No caso do Botafogo, o mérito é do (técnico) Jair (Ventura).
Fico contente em vê-lo como um exemplo. Fez um grande trabalho, e a
classificação para a Libertadores é equivalente a um título. Outro dia, ele
estava fazendo um curso na CBF. Isso é exemplo de profissionalismo de um garoto
que vê que pode melhorar. Também podemos ter gente do Fluminense. Em relação ao
Vasco, é mais difícil.
Ao
assumir, como estava a seleção, emocionalmente?
Não posso avaliar como
era antes, mas a leitura que fiz foi de falta de confiança. Nosso primeiro
jogo, contra o Equador, foi muito tenso. O sexto lugar nas Eliminatórias
pressionava. Fico mal em te dizer que eu pedi que o grupo retardasse a batida
de lateral. Não era por medo, mas para ter condição física.
Acha
que já devolveu a alegria ao torcedor da seleção?
Não devolvi, mas um grupo de trabalho do qual
faço parte está devolvendo.
Evoluímos
do 7 a 1 para cá?
Evoluímos, sim, até de uma forma dura. E tem
que ser um processo constante.
Houve
uma transição após a saída do Dunga?
Não conversei com o
Dunga e não fui ao encontro dele. Se eu fosse o Dunga, teria a expectativa de
continuar um trabalho. Imagino a frustração dele. E se ele tivesse permanecido
e alcançado essas seis vitórias (nas Eliminatórias)? Eu, pra dizer a verdade,
gostaria de ter pego lá no início. Fui contra (a escolha de Dunga) e me
manifestei. Achei que era meu momento, pelo trabalho que realizei. Quando fui
chamado, acha que não tive medo de ser o técnico responsável por não levar a
seleção para uma Copa? Admito que eu estava em um projeto do Corinthians de
dois anos e fui egoísta. Olhei para meu lado, para a realização pessoal.
E
a relação com Felipão?
Profissional,
respeitosa, mas distante. O tempo é o melhor remédio para que as coisas possam
acontecer.
Uma bobagem abalou a
relação, não? O gesto do “fala muito” que você fez para ele, num jogo do
Corinthians contra o Palmeiras…
Não sei se foi uma bobagem. Não foi só o “fala
muito” (em entrevista à jornalista Camila Mattoso, o irmão de Tite, Miro,
revelou que Felipão teria entregado um jogo para o Fluminense no Brasileiro de
2010); não quero falar sobre isso. A competição entre técnicos é forte,
aflorada. Você trabalha em cima do limite. Tenho que fazer o meu melhor e inibir
o outro.
Neymar
acertou ao abrir mão da braçadeira?
Quando acabou a
Olimpíada, Neymar me procurou e disse que não queria mais ser o capitão da
seleção. Pedi que me procurasse na hora em que estivesse amadurecido. Ele já me
procurou e disse que está pronto. Ele vai ser capitão.
A
imaturidade do Neymar atrapalha?
Não. Ela é verdadeira.
Abro um sorriso dentro de mim quando alguém o compara a Cristiano Ronaldo e
Messi. São gerações diferentes, mas com status técnico parecido. Enquanto Messi
e Cristiano Ronaldo atingiram o auge, ele não. Eu nem sabia que ele tinha tanta
capacidade de assistência, acredita? É impressionante.
Seus
votos para melhor do mundo foram em Cristiano Ronaldo, Neymar e Griezmann. Por
que o Messi ficou fora?
Porque ele é o número
um, extraclasse, mas se machucou muito entre a metade de 2015 e a metade de
2016.
Neymar,
que ficou em quarto lugar, foi injustiçado?
Para mim, ele deveria
ter ficado entre os três. Não vou dizer que foi injustiça, mas essa é minha
opinião.
É
bom ser unanimidade?
É mentira. Sou
contestado. Nem todo mundo vai gostar de mim, assim como não gosto de todo
mundo. Só que, como o momento é muito bom, as pessoas erradamente acham que sou
unanimidade.
A
transferência do Gabriel Jesus para o City é boa ou ruim?
Lembro que perdi um
clássico para o Palmeiras e estava puto da vida quando vieram me perguntar
sobre o Gabriel Jesus. Eu disse: “Ele é de verdade”. Eu só pensava: “O que esse
moleque tem?” Ele é letal. Torço para que ele seja aproveitado no eixo central,
como um camisa 9, e não pelo lado. Ali, ele pode desenvolver todo o seu
potencial na posição do Agüero. Mas no sistema deles (do Manchester City) não
há dois centrais. Penso na seleção, naquela rotina do lugar, de jogar sem
pensar.
Passa
na sua cabeça a possibilidade de ser campeão do mundo na Copa de 2018?
Penso nisso, sim, mas
por enquanto é um sonho para depois da classificação, que está próxima. Temos
um grupo em evolução. Isso é fascinante. Willian tem potencial, Neymar,
(Philippe) Coutinho e Marquinhos estão em crescimento. Thiago (Silva), Marcelo
e Daniel Alves são da safra que já atingiu seu melhor. Isso faz o olho brilhar.
É uma base para 2018 e para outra Copa do Mundo.
O
que acha da situação atual do Maracanã?
Na primeira vez em que
fui jogar no Maracanã, um Flamengo x Portuguesa, quando entrei no campo,
pensei: “Meu Deus, não vamos chegar no outro gol. É muito longe”. Empatamos em
1 a 1, e eu perguntava: “Já pisou no Maracanã? Se não pisou, não jogou bola”
(risos). É de lastimar. É o grande palco do futebol brasileiro. Quando se fala
em seleção brasileira, todo mundo pensa em Maracanã. Tem mística. Pode me
chamar de saudosista, mas sou sincero: eu preferia a estrutura anterior.
Fonte: Blog da Marluci Martins - Extra Online
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