29 de
outubro de 2016
* Texto
originalmente publicado na revista Veja, edição 2.502, com o título
Deu
Errado.
Aconteceu numa sessão qualquer de uma dessas
comissões da Câmara dos Deputados em que pouca gente fala, pouca gente escuta e
quase ninguém presta atenção, mas nas quais, de vez em quando, é possível ficar
sabendo das coisas mais prodigiosas. No caso, o deputado Nelson Marchezan
Júnior, do Rio Grande do Sul, tomou a palavra a certa altura dos procedimentos
e revelou o seguinte: a Justiça do Trabalho deu aos trabalhadores brasileiros
que recorreram a ela no ano passado um total de R$ 8 bilhões em benefícios; no
decorrer desse mesmo ano, gastou R$ 17 bilhões com suas próprias despesas de
funcionamento.
É isso mesmo que está escrito aí. A Justiça do
Trabalho brasileira custa em um ano, entre salários, custeio e outros gastos, o
dobro do que concede em ganhos de causa à classe trabalhadora deste país.
Pela aritmética elementar, calculou então o
deputado, o melhor seria a Justiça do Trabalho não existir mais, pura e
simplesmente. Se o poder público tirasse a cada ano R$ 8 bilhões do Orçamento e
entregasse essa soma diretamente aos trabalhadores que apresentam queixas na
Justiça trabalhista, todos eles ficariam tão satisfeitos quanto estão hoje, as
empresas reduziriam a zero os seus custos nesse item e o Erário gastaria metade
do que está gastando no momento. Que tal?
Não existe nada de parecido em país algum deste
mundo, ou de qualquer outro mundo. Como seria possível, numa sociedade
racional, consumir duas unidades para produzir uma — e achar que está tudo bem?
O sistema ao qual se dá o nome de "Justiça do Trabalho" continua
sendo uma das mais espetaculares extravagâncias do Brasil — e mais uma
demonstração concreta, entre talvez uma centena de outras, da facilidade
extrema de conviver com o absurdo que existe na sociedade brasileira. E o que
nos faz aceitar resultados exatamente opostos ao que se deseja — estamos nos
tornando especialistas, ao que parece, em agir de forma a obter o contrário
daquilo que pretendemos.
Todos querem, naturalmente, que a Justiça do
Trabalho produza justiça para os trabalhadores. Mas fazem tudo, ou aceitam
tudo, para gerar o máximo de injustiça, na vida real, para esses mesmíssimos
trabalhadores.
Que justiça existe em gastar R$ 17 bilhões de
dinheiro público — que não é "do governo", mas de todos os
brasileiros que pagam imposto — para gerar R$ 8 bilhões? É obvio que alguma
coisa deu monstruosamente errado aí. A intenção era fazer o bem; está sendo
feito o mal em estado puro.
A Justiça trabalhista é acessível a apenas 40% da
população; os outros 60% não têm contrato de trabalho. Ela não cria um único
emprego — ao contrário, encarece de tal forma o emprego que se tornou hoje a
principal causa de desestímulo para contratar alguém. Não cria salários, nem
aumentos, nem promoções. Apenas tira do público o dobro do que dá. Mas vá
alguém querer mexer nisso, ou propor que se pense em alguma reforma
modestíssima — será imediatamente acusado de querer suprimir "direitos dos
trabalhadores".
Hoje a Justiça trabalhista gasta 90% do orçamento
com os salários de seus 3,5 mil juízes, mais os desembargadores de suas 24
regiões, mais os ministros do seu "Tribunal Superior do Trabalho",
mais os carros com chofer. Em nome do progresso social, porém, fica tudo como
está. Tudo isso, claro, é apenas uma parte da desordem que transforma a
Justiça brasileira numa imensa piada fiscal.
Com a mesma indiferença, aceita-se que o Supremo
Tribunal Federal, com 11 ministros, tenha 3 mil funcionários cerca de 300, isso
mesmo, para cada ministro. Mas não é suficiente: o brasileiro tem de pagar
também R$ 1 bilhão por ano para ser assistido por um "Tribunal da
Cidadania", de utilidade desconhecida — o Superior Tribunal de Justiça,
esse já com 33 ministros, quase 5 mil funcionários, incluindo os terceirizados
e estagiários, e capaz de consumir dois terços inteiros do seu orçamento com a
folha de pessoal.
Tempos atrás, o historiador Marco Antonio Villa
trouxe a público o deslize para a demência de um órgão público que foi capaz de
consumir R$ 25 milhões, num ano, em alimentação para funcionários, pagar de R$
400 mil a R$ 600 mil reais de remuneração mensal a seus ministros aposentados e
ter na folha de pagamento repórteres fotográficos, auxiliares de educação
infantil e até "jauzeiros". O que seria um "jauzeiro"? Vale
realmente tudo, nesse STJ.
Você pode querer que nenhuma mudança seja feita
nisso aí. Também pode achar que esse sistema, tal como está, é uma conquista
social. Só não pode querer que um negócio desses funcione.
Enviado para o blog pelo leitor e amigo, o geólogo José Waterloo Leal
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