professor José Antônio Mangoni |
Em tempos tão conturbados como os que vivemos atualmente, o blog sugere aos seus leitores, que leiam essa entrevista
Tema no último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a intolerância religiosa se tornou assunto recorrente nos debates dentro e fora das redes sociais. Problema que pareceria perder força no século 20, o preconceito em razão do credo tem se revelado bem enraizado em boa parte do mundo. No Brasil e no Pará, não é diferente. São cada vez mais comuns os registros de violência contra seguidores de religiões de raiz africana, quebra de imagens consideradas sacras e outras agressões. Nesta entrevista ao DIÁRIO, o professor José Antônio Mangoni, de Ciências da Religião, da Universidade do Estado do Pará (Uepa), analisa esse cenário, defende o diálogo e faz um alerta: a intolerância e o fundamentalismo são uma bomba que precisa ser desarmada.
P:
O senhor percebe um aumento da intolerância religiosa ou isso está ficando
apenas mais visível?
R:
A intolerância religiosa tem aumentando consideravelmente em nosso País. Ela se
manifesta na quebra de imagens sacras, na expulsão de adeptos das religiões
afro de suas casas, nas ofensas estampadas nas redes sociais, nas declarações
de líderes religiosos e de líderes políticos oriundos de denominações
fundamentalistas.
O
que tem provocado esse aumento?
R:
A intolerância é sempre fruto de uma crise social e do medo do diferente. Hoje,
o planeta vive essa crise instalada em várias áreas: religião, política,
cultura, sexualidade, família... Diante da crise, há um grupo que se apega ao
passado e demoniza os que os desafiam a sair das relações que não mais existem.
Volta à ditadura, escola sem partido, demonização dos professores, moralismo,
racismo, xenofobia, intolerância religiosa, vingança, violência como solução,
são alguns exemplos. Como dizia o pensador Gramsci: “O Velho Mundo morreu. O
Novo Mundo tarda a aparecer. E neste claro-obscuro, surgem os monstros”.
P:
Quais os grupos mais vulneráveis à intolerância?
R:
São grupos que apresentam propostas diferentes das tradicionais, o que gera
insegurança por parte dos que acreditam que possuem a única verdade possível.
Podemos citar estudantes que desafiam a autoridade dos adultos, grupos que
apresentam formas plurais de vivência familiar e sexual, raças que carregam
historicamente a exclusão, mulheres que, por sua atitude, colocam em xeque o
patriarcado, fiéis que questionam tradições e doutrinas religiosas, entre
outros. Sempre fico com um pé atrás diante dos que têm muitas certezas, sejam
religiosas ou políticas, pois esse é o ambiente propício para o preconceito e
para a demonização.
P: Esse
foi o tema do Enem, um exame feito por milhões de jovens. O senhor acredita que
esse exercício pode levar a reflexões?
R:
Somente o conhecimento e a busca do diálogo podem desfazer preconceitos. E
fazer perceber que o outro, o diferente, é tão humano como cada um de nós. O
tema do Enem contribuiu para tornar pública a discussão, mas é preciso dar
continuidade ao debate, para percebermos que a intolerância baseada no
preconceito pode ampliar o mundo da violência, e perceber a quem serve esse
estado, que se assenta sobre um projeto de poder, do qual alguns poucos se
beneficiam, seja no campo da política ou no das denominações religiosas.
P:
É inegável que está havendo uma guinada conservadora no mundo, como a eleição
de Donald Trump. De que forma isso interfere no tratamento das
diferenças?
R:
A diferença sempre foi um problema na História. Podemos lembrar das
perseguições às “bruxas”, aos bárbaros, aos índios. Os grupos que detinham o
poder queriam o nivelamento de todas as diferenças, pois estas colocavam em
risco a sua verdade. Por isso, devemos refletiR: a quem favorece essa
intolerância?
P:
Quais os riscos do fanatismo religioso?
R:
O fanatismo é uma bomba-relógio. Einstein afirmou que a 3ª Guerra Mundial terá
origem na religião. Ou desarmamos essa bomba, afirmando o diálogo e o respeito
como princípios imprescindíveis, ou corremos um sério risco de vermos uma
violência desencadear-se com rapidez e tomar proporções mundiais.
P:
O Brasil é um País de sincretismo religioso. Isso não deveria funcionar como um
antídoto contra fundamentalismos? Por que não funciona?
R:
O sincretismo é usado, por algumas religiões, como antônimo de pureza. Não
existe pureza religiosa, pois toda religião nasce nas crises e procurando dar
as respostas que as antigas religiões já não conseguem dar. Seu nascimento se
dá a partir de uma circunstância histórica e tendo por pilares a religião
antiga que a gera. O sincretismo é, assim, a possibilidade da religião. A
pluralidade religiosa é vista como erro e assim também o sincretismo,
principalmente por parte da religião dominante. As demais, em geral, têm no
pluralismo e no sincretismo seu ponto de partida para o diálogo e a convivência
harmoniosa.
P:
Como o senhor avalia a interferência das religiões no Estado? Podemos deixar de
ser um Estado laico?
R:
O que está em risco não é a laicidade, mas a própria República. As grandes
empresas e corporações apropriam-se do poder a partir de sua interferência no
campo da política, elegendo seus representantes nas Câmaras de Vereadores, nas
Assembleias Legislativas e no Congresso, bem como no executivo e judiciário. A
mesma estratégia está sendo usada hoje pelas denominações religiosas. Ambas
colocam em risco a República por privatizarem o que é público. Uns o fazem em
nome dos interesses privados. Outros, em nome de Deus. A religião é apenas a
embalagem moralista que reveste interesses privados. (Diário do Pará)
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