Poderia ser a Revolta de Santarém, porque foi para lá que os revoltosos foram primeiramente. Há até quem defenda a ideia de Revolta de Itaituba, pelo fato de Haroldo Veloso ter sido preso neste município, mas, o que interessa mesmo é o fato histórico.
O Jornal do Comércio não deixou passar em branco a data, tendo publicado na edição 211, que circulou há um semana, uma matéria de quatro páginas, com um resumo que situa o leitor a respeito do fato.
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Somente
quem caminha para os 70 anos de idade deve se lembrar do rebuliço que houve
neste região, de modo particular nas cidades de Santarém, Jacareacanga e
Itaituba, em fevereiro de 1956. Foi um tal de salve-se quem puder, como lembra
o jornalista Jota Parente, que tinha cinco anos de idade na ocasião, o qual
cresceu ouvindo seus pais comentar que foram colocados tambores de 200 litros
no meio da pista para evitar pousos e decolagens.
Em
fevereiro deste ano, completou 60 anos da revolta. O professor Marco Túlio
Ferreira Baptista, professor da UNIFA, mestre em Ciências Espaciais, escreveu
um texto para a Revista Defesa Nacional, do qual o Jornal do Comércio produziu
um resumo para fazer este registro da história.
A
Revolta de Jacareacanga foi a primeira das duas revoltas ocorridas no seio da
Força Aérea Brasileira. Foi o resultado de um crescente descontentamento das
Forças Armadas com a política vigente no Brasil, principalmente desde a morte
de Getúlio Vargas em 1954.
Haroldo Veloso |
O
movimento não contou com o apoio esperado. Exceto a adesão do major Paulo Vitor
com uma aeronave C-47, alguns poucos militares nas localidades em que passou e,
ainda alguns caboclos, nenhum dos esquadrões que Velloso esperava que aderissem
se manifestou, a não ser para lhe dar combate.
Algo realmente falhou na hora H,
pois estes homens personificavam o pensamento da maioria dos militares de sua
época. Fato confirmado posteriormente com os acontecimentos que se desenrolaram
entre a renúncia de Jânio Quadros e o Golpe Militar de 1964.
Um militar brilhante - Haroldo Coimbra Velloso nasceu no
Rio de Janeiro a 4 de julho de 1920. Sentou praça no Exército em abril de 1939,
na Escola Militar de Realengo. Fez o curso de Engenharia Aérea e atingiu o
posto de major (posto no momento da Revolta de Jacareacanga) em 1951, já
integrante da Força Aérea Brasileira.
Velloso
coordenou a construção da pista de Cachimbo, inaugurada em 20 de janeiro de
1954. Da mesma forma, foi o responsável pela construção da pista de
Jacareacanga. Assim, abriu caminho para a rota do Correio Aéreo Nacional do Rio
de Janeiro até Manaus.
O
árduo trabalho no Brasil Central e por toda a Amazônia o fez ser o oficial mais
reconhecido e conhecido por toda a Região Norte. Daí a sua grande influência
sobre os militares que serviam nos aeródromos desta rota, bem como os caboclos
e índios, muitos contratados por ele para a abertura dos campos de pouso.
Avião usado na revolta |
Em entrevista ao repórter Arlindo
Silva, da revista Cruzeiro, o capitão Lameirão declarou: “Nosso plano era
iniciar efetivamente a revolução. Era preciso que alguém o fizesse. Velloso e
eu tomamos a iniciativa. Nosso plano era apoderar-nos, logo de início da base
de Cachimbo – e foi o que fizemos. É preciso que se saiba que o Cachimbo fica
mais ou menos equidistante de Fortaleza, Recife, Natal e Salvador. Com a base
em nossas mãos, seria fácil aos camaradas que quisessem aderir, com seus B-25,
as fortalezas Voadoras do Nordeste, e os Ventura de Salvador, principalmente,
voar diretamente ao Cachimbo e ali lutar pela causa. Chamaríamos, também, as
atenções da Nação para aquele ponto e para a Amazônia, e isto poderia facilitar
o levante no Sul. Achávamos que alguém começando a revolução, ela se alastraria
naturalmente.”
Haroldo Veloso chega a Itaituba preso |
No dia seguinte, chegou a Belém, na
base de Val-de-Cans, o C-47 2059 do Primeiro Grupo de Transportes do Campo dos
Afonsos. Este era um vôo de rotina e procedia de Caiena. Era pilotado pelo
major Paulo Vitor e o tenente Petit. Depois de passar em Macapá, chegou a Belém
no dia 12. Aí recebeu ordens inicialmente de efetuar uma viagem para Porto
Nacional. Missão esta que veio a ser cancelada. A nova incumbência de Paulo
Vitor seria transportar tropas para o Tapajós, a fim de dar combate à Velloso e
seus homens. Vitor não teve conhecimento prévio das atividades do amigo para
organizar o levante e precipitar a revolução, contudo levar tropas para
combatê-lo o deixava num grande dilema, pois tinha uma grande amizade, de
muitos anos, com Velloso e Lameirão.
Amizade
consolidada, também, pelo árduo trabalho na Amazônia. Por outro lado, negar-se
a levar as tropas seria um ato de insubordinação. Desta forma decidiu-se por
cumprir a missão e, no final, prestar solidariedade aos amigos. A forma como
foi planejada a missão punitiva acarretou na entrega fácil de Santarém e
Itaituba aos revoltosos.
Militares presos em
Jacareacanga transportados para Santarém - Do dia 15 ao dia 22, as forças rebeldes se mantiveram
com certa tranquilidade em suas posições, salvo alguma movimentação entre
Santarém e Jacareacanga. Os presos de Jacareacanga foram transportados para
Santarém, a fim de lhes dar melhores condições. Velloso nunca esqueceu que
estes presos também eram seus companheiros de armas, portanto lhes garantiu o
tratamento mais digno possível.
No
dia 22 de fevereiro, após alguma sensação de combate num encontro sem
consequências no dia anterior com um B-17, um Catalina apareceu sobre o
aeródromo de Santarém, fazendo um sobrevoo no aeroporto da cidade onde se
encontravam os revoltosos. A essa altura fazia alguns dias que tinha saído de
Belém o navio Getúlio Vargas, transportando uma tropa para tomar, inicialmente,
Santarém das mãos dos insurgentes. Depois seguiria para Itaituba. Jacareacanga
só via área. E por pouco não aconteceu uma grande tragédia.
Uma
quase tragédia - Após esse sobrevoo, o capitão Lameirão realizou um novo
voo de patrulha e, como não conhecia o navio Getúlio Vargas, ao ver o navio
“Lobo D’Almeida” que ingressava no porto de Santarém, acreditou que a Força
Tarefa, comandada pelo Brigadeiro Alves Cabral, já estava próximo de realizar
seu desembarque. Lameirão tinha intenção de abastecer o “Beech” e armar com as
bombas, recém-carregadas para bombardear o suposto navio Presidente Vargas
antes que as tropas desembarcassem. No entanto, mais prudente, Veloso imaginou
que um ataque à Força Tarefa, com o navio já no porto, não impediria que a
tropa desembarcasse e logo teriam o campo de pouso tomado e seriam presos. Por
isso, deu a ordem de embarcar todo o material bélico e combustível no C-47 de Paulo
Victor e preparar para a partida em direção a Jacareacanga. Abandonariam
Santarém.
Essa
decisão realmente evitou uma tragédia: o bombardeio, por engano, de um navio de
passageiros. O verdadeiro navio Presidente Vargas se encontrava nas imediações
de Monte Alegre e só realizariam o desembarque em Santarém dois dias depois. A
decolagem do C-47 (Velloso e Paulo Vitor) e do Beechcraft (Lameirão e o
artilheiro Cazuza) ocorreu por volta das 19 horas, levando armamento munição e
25 homens leais. O voo heroico destes homens, realizado à noite e sob más
condições meteorológicas, terminou em Jacareacanga às 21 horas, tendo apenas um
lampião de querosene para iluminar cada uma das cabeceiras da pista.
Vellosso em Pimental e
São Luiz - No dia
seguinte, Velloso decidiu sair de barco com mais cinco homens em direção a Pimental para fazer fogo às tropas
legalistas que se aproximavam. A cerca de 80 Km de Jacareacanga existia um
pequeno campo de pouso que era cuidado por um grupamento de sete homens armados
com carabinas. Existia, também, uma Missão Franciscana de padres alemães,
Missão São Francisco do Cururu. Este campo de pouso serviria de retaguarda para
Jacareacanga. Contudo, no dia 25, aeronaves PA-10 Catalina do 1º Esquadrão do
2º Grupo de Aviação desceram aí, ocupando o campo e desembarcando uma força de
40 homens. Levando, assim, a ameaça das forças legalistas às portas do QG de
Jacareacanga.
Diante
da ameaça tão próxima, Lameirão voou para Pimental
e lançou uma mensagem para Velloso, informando do ocorrido e solicitando seu
retorno para Jacareacanga. Nova tentativa de chamar Velloso de volta ocorreu no
dia 27, quando o mesmo estava em São
Luis (do Tapajós), mas não foi possível o contato. Nesta noite ocorreu o
choque direto das tropas legalistas com o grupo de Velloso, levando a morte de
um de seus seguidores, Cazuza, metralhado pelas costas.
Isolados
em Jacareacanga e sem contato com seu líder, os revoltosos presenciaram, no dia
28, bombardeiros lançarem panfletos aconselhando a rendição e exortando a
população a deixar Jacareacanga. Também neste dia um B-25 metralhou o terminal
de passageiros do aeródromo. O Brigadeiro Cabral, comandante da Força Tarefa,
sobrevoou Jacareacanga no comando de um Beech para falar com Vitor e Lameirão e
convencê-los a se render antes do ataque àquela localidade. No entanto, como
não tinham contato ainda com seu líder, não quiseram decidir, queriam esperar
mais um dia para que desse tempo para ele chegar, caso contrário consideravam
uma traição se entregar sem nem mesmo saber quais eram as novas ordens de
Velloso.
Revoltosos acuados - O dia 29 de fevereiro era o dia D
para Jacareacanga. O Brigadeiro Alves Cabral comandaria o ataque pessoalmente.
De Santarém decolavam os Catalinas que levavam as tropas de pára-quedistas
(para desembarque anfíbio) e os B-25 carregados de bombas e munição para as
metralhadoras. Às 10 horas o Brigadeiro Alves estava sobre Jacareacanga no
comando do Beechcraft para saber a posição de Lameirão e Vitor, caso não fosse
a rendição comandaria o ataque a Jacareacanga.
Ainda
sem uma posição de Velloso, os revoltosos solicitaram mais um dia de prazo.
Isso irritou o brigadeiro, que mandou que iniciassem o ataque. Diversas ordens
foram dadas via rádio, inclusive metralhar a estação de passageiros, contudo só
a pista foi metralhada. As B-25 não lançaram suas bombas.
Diante
dos rasantes e rajadas disparadas das B-25, os caboclos que apoiavam os
rebeldes partiram em retirada, ficando Lameirão e Vitor apenas com 12 homens de
confiança. Os três Catalinas logo pousaram na água e desembarcaram 45
pára-quedistas, que eram comandados pelo coronel Santa Rosa. Diante do sucesso
do desembarque dos Catalinas, o brigadeiro Cabral retornou para Itaituba para reabastecer.
Logo
ao descer da aeronave, em Itaituba,
o Brigadeiro foi recebido por um caboclo que informava haver um homem loiro do
outro lado do rio se dizendo repórter. Não podia ser outra pessoa, senão Velloso. Imediatamente foi enviada uma
patrulha que seguiu na lancha do vigário local, frei Vitorino. Uma hora depois
retornaram com Velloso preso. O próprio Brigadeiro Cabral levou Velloso,
inicialmente para Santarém, no Beech 1512. O líder rebelde foi escoltado todo o
tempo pelo major Celso Neves.
Fuga para a Bolívia - Enquanto Velloso voava preso, o
capitão Lameirão e o major Vitor empreendiam uma fuga espetacular no C-47 que
permanecera camuflado até o momento da desobstrução da pista e rápida
decolagem. A medida que a aeronave ganhava velocidade os galhos de arbustos que
camuflavam a aeronave iam se desprendendo pelos ares. Uma B-25 que patrulhava o
aeródromo tentou persegui-los, mas conseguiram se camuflar nas nuvens e
despistá-la. Mil e quinhentos quilômetros a frente, pousariam em Santa Cruz de
La Sierra para o exílio na Bolívia.
Veloso,
posteriormente foi conduzido para Belém, onde respondeu a Inquérito Policial
Militar e, depois, para o Rio de Janeiro, onde foi preso. No dia seguinte a sua
prisão em Itaituba, Jucelino Kubtschek enviou para o Congresso o anteprojeto de
uma lei de anistia política para todos que houvessem conspirado contra o
governo desde 10 de novembro de 1955. A qual beneficiaria o próprio Velloso.
Sendo anistiado, retornou às fileiras da FAB, servindo até o posto de
brigadeiro, requerendo sua entrada para a reserva remunerada em 1964, após o
Golpe Militar.
Quem falhou na hora H? - Havia diversos rumores de muita
gente envolvida com a revolta, Brigadeiro Eduardo Gomes, o General Juarez
Távora, muito oficiais da Marinha, Exército e Aeronáutica. Contudo, esta versão
nunca se confirmou. Pelo contrário, já no exílio na Bolívia, o capitão José
Chaves Lameirão informou ao seu entrevistador, jornalista Jorge Ferreira (O
Cruzeiro) que nem mesmo conhecia estas personalidades pessoalmente, muito menos
que eles tivessem um comprometimento com esta revolta especificamente.
Na
entrevista Lameirão fez questão de delimitar bem os motivos que os levaram a
pegar em armas, ou seja, o estado deplorável de corrupção em que o governo
Brasileiro estava metido e que levara ao suicídio de Vargas em 1954. Na
verdade, após esta data os ânimos militares fervilharam cada vez mais. Nas
palavras de Haroldo Velloso (para o jornalista Arlindo Silva, O Cruzeiro)
enquanto se encontrava no seu QG improvisado em Santarém, a grande oportunidade
se deu em agosto de 1955, por ocasião da célebre reunião no Clube da Aeronáutica,
com a presença dos Ministros Lott, Amorim do Valle e Eduardo Gomes, quando o
General Canrobert Pereira da Costa fez seu histórico discurso político-militar.
Certo
é que naquele momento a revolta ou revolução já existia intrinsecamente no
pensamento e imaginário da maioria dos militares brasileiros. Era um momento de
quase geração espontânea de levantes em diversas partes do país e nos mais
diversos setores, não só militar. Ocorre que o tempo passou e esta geração
espontânea não ocorreu. Portanto faltava apenas um pequeno empurrão para que
eclodisse de maneira irreversível. E este empurrão era a ideia central de
Velloso e Lameirão.
Ainda
utilizando-se das palavras de Lameirão no exílio, os revoltosos não foram
traídos na hora H, não falharam com eles porque não havia um compromisso
prévio. Embora informasse que tiveram algumas falhas, como a de dois civis que
deveriam fazer o link entre as diversas bases. Estes civis não tiveram seus
nomes revelados.
Analisando-se
de fora, e passados 60 anos, percebe-se que o sigilo mantido por Velloso e
Lameirão, o que é sempre importante em movimentos que podem ser desbaratados
antes da eclosão, neste caso os prejudicou, pois seus próprios companheiros de
ideais foram pegos de surpresa e permaneceram inertes e, principalmente: sem
compromisso com a causa!
Outro
fato que chama a atenção é a inexistência de uma grande patente na direção do
movimento que fosse capaz de arrastar os indecisos. Certo é que muitos oficiais
generais comungavam da mesma cartilha, mas estes também foram pegos de surpresa
e não tinham o comprometimento com a causa. Corrobora com esta ideia o fato de
Velloso ter declarado em Santarém que ele não estava na direção do movimento (e
efetivamente estava e teve de assumi-lo em seguida). Certamente era uma maneira
de oferecer a direção do movimento a alguma autoridade militar de grande
patente. Daí também a origem dos boatos de que havia generais que o traíram na
hora H.
Crepúsculo
- Resumindo esta fantástica história, pode-se dizer que Haroldo Velloso personificou
o pensamento político-militar de sua época, comprovado pela sucessão de fatos
ocorridos entre 1956 e 1964. É certo que lhe faltou o apoio na hora H,
mas escreveu, com a ajuda de alguns poucos correligionários as primeiras
páginas da história que marcaria o Brasil durante toda a segunda metade do
século XX.
Foi
herói do desbravamento da Amazônia até 1956, foi herói e criminoso naquele ano,
passou a ser o herói que se tentava esquecer nos anos que se seguiram,
finalmente entrou para a história como herói a ser lembrado por tudo que fez
durante toda a sua vida militar e na reserva.
Hoje
em dia, uma de suas monumentais obras, a base de Cachimbo, cuja pista fundou em
20 de janeiro de 1954, leva seu nome (rebatizada em 1995): Campo de Provas
Brigadeiro Velloso. Um visitante neste baluarte da Força Aérea na Amazônia
Meridional poderá ver, ainda hoje, em pose imponente, dirigindo seus
subordinados, o major Haroldo Coimbra Velloso!
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