Previsto para a próxima quinta-feira, o julgamento no STF analisará a
constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que prevê punições para quem
adquire, guarda, transporta ou traz consigo drogas para consumo pessoal. Embora
uma condenação pelo crime não signifique prisão, ela tira da pessoa a condição
de réu primário. O argumento do recurso é que o item fere o direito à
intimidade e à vida privada, princípios constitucionais.
CRITÉRIOS HOJE SÃO SUBJETIVOS
Os signatários do documento do Igarapé entendem que, caso a Corte decida
que criminalizar usuários é inconstitucional, o estabelecimento de parâmetros
objetivos daria mais segurança à aplicação da lei. Hoje, os critérios previstos
para distinguir consumidores e usuários são subjetivos e vão do local onde as
substâncias foram apreendidas às circunstâncias sociais do flagrado. A
quantidade também está elencada na lei, embora o texto não aponte porções
exatas. Citando estudos científicos e experiências internacionais, a nota
sugere três diferentes cenários em que as quantias indicadas variam de 25g a
100g, no caso da maconha; e de 10g a 15g, quando se trata da cocaína e do
crack.
— Resolvemos reunir saberes jurídicos, científicos e sociais,
confrontando isso com experiências internacionais. Estamos oferecendo uma
contribuição para um debate — argumenta Ilona Szabó, diretora-executiva do
instituto, explicando que os especialistas optaram por prever variados cenários
levando em conta a existência de diferentes padrões de uso.
O ponto de partida do grupo, explica o texto, é o diagnóstico de que há,
no Brasil, um “superencarceramento insustentável”, que teria sido impulsionado
pelo crescimento dos presos classificados como traficantes de drogas. “A
maioria dos presos provisórios e condenados por tráfico de drogas no Brasil é
composta de réus primários, que levavam consigo pequenas quantidades de
substância ilícita, flagrados em operações de policiamento de rotina, desarmados,
sem provas de envolvimento com a criminalidade”, diz. De acordo com dados do
mais recente Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Ministério
da Justiça, em junho de 2014 o Brasil tinha 608 mil presos, e um déficit de 231
mil vagas. A proporção de registros de tráfico chega a 27% do total, maior
fatia entre os tipos de crime.
— A Lei de Drogas supostamente teria o grande benefício de discriminar
quem é traficante e quem é usuário, mas todas as evidências mostram que isso
não ocorreu. Como não há critério objetivo, a decisão fica nas mãos do
policial. O nível de arbitrariedade é absurdo. A chance de ser classificado
como traficante é muito maior quando se trata de um negro e pobre — opina o
psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), um dos que subscrevem a nota.
O texto ressalta que a adoção de parâmetros objetivos não deve levar à
caracterização automática como traficantes de pessoas flagradas com quantidades
acima das indicadas. A posse de quantias menores que as indicadas, por sua vez,
não deve descartar a análise dos outros critérios, defendem os especialistas.
Os argumentos do grupo são contestados por Ronaldo Laranjeira,
coordenador da Comissão de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria
(ABP), entidade que reprova a flexibilização das políticas de drogas.
— Temos total oposição a qualquer uma dessas mudanças. É totalmente
irrelevante e incorreto mudar a política de drogas quando não se está fazendo o
beabá. Não há prevenção sistematizada para a população, rede de saúde para
amparar usuários e famílias ou políticas para conter o tráfico. Em relação à
questão específica da quantidade, quando a lei atual foi elaborada, isso foi
discutido à exaustão, e a conclusão foi que, se fosse estabelecida quantidade,
no momento seguinte não haveria um traficante sequer com uma dose maior que ela
— prevê.
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