quarta-feira, julho 08, 2015

Um ano dos 7x1 para a Alenha, uma data para nunca ser esquecida, na maior humilhação do futebol brasileiro

O Globo - Sete são os pecados capitais, mas também o número da perfeição na Bíblia. No dia em que se completa um ano da derrota por 7 a 1 para a Alemanha, numa Copa do Mundo em casa, é mais do que hora de levantar a cabeça, baixar a bola e corrigir o jogo dos sete erros. Transformar a gula, em fome de bola; a preguiça, na garra de correr em campo; a inveja, que sentimos de alemães, argentinos, chilenos e até paraguaios, em trabalho; a ira, no jogo limpo; a luxúria das festas mesmo após as derrotas, em comemorações por taças erguidas; a ganância por salários estratosféricos, na ambição de vencer em campo; a soberba de achar que somos os melhores do mundo, na humildade de que temos muito que aprender e evoluir.

O GLOBO ouviu ex-jogadores, técnicos, dirigentes, comentaristas esportivos, psicólogos e acadêmicos para entender como podemos resgatar a qualidade dentro das quatro linhas - e fora delas também. A lista abaixo pode dar um pouco de noção de como passarmos de humilhados a novamente exaltados. E não se trata de profecia...
Foto: Matthias Schrader / AP
1 - Carência nas divisões de base com exportação dos talentos
Na velocidade inversa em que os clubes brasileiros revelam menos talentos, eles os exportam cada vez mais cedo. Muitos são reféns de seus empresários no destino e rumo das carreiras. Na fatídica goleada por 7 a 1, Fred era o único titular a jogar numa equipe brasileira. Do outro lado, a Alemanha tinha seis titulares do Bayern de Munique e apenas três de times de outros países. Basta lembrar que o Brasil nunca ganhou um ouro olímpico e sucumbiu no último Mundial Sub-20 na final contra a Sérvia, por 2 a 1, no fim de junho. O presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello, reconhece o problema. 
"Com relação ao investimento nas categorias de base, acho que realmente é deficiente, e o Flamengo tem que fazer sua mea culpa, porque já foi referência em formação de jogadores, em lidar com a base, nos anos 70 e início dos anos 80. Essa competência se perdeu, e agora estamos tentando recuperar. Não sei qual a solução, mas temos que discutir", diz Bandeira. Bicampeão pelo Santos em 1962 e 1963, Pepe viu Neymar despontar aos 11 anos na Vila Belmiro, um dos poucos centros de excelência na revelação de jogadores. Ele destaca a importância de os jogadores serem formados aqui, além do entrosamento. "Jogar no exterior desde cedo influencia porque a mentalidade é outra. Antigamente, vestíamos a camisa do Brasil e vibrávamos pensando em ganhar título. Hoje, se der azar na seleção, eles ficam marcados por 15 dias e depois voltam ao normal. Não sofrem a pressão do campeonato, a perseguição, a vaia", aponta Pepe.

2 - Falta de investimentos em infraestrutura
Sem centros de treinamento (CTs) e com gramados péssimos na maioria dos clubes, estádios acanhados ou arenas transformadas em elefantes brancos, o futebol brasileiro não consegue usufruir a herança da Copa. Mesmo tendo sido gastos bilhões em estádios como a Arena Pantanal, o Brasil é apenas o 39º país em ocupação de estádios. O antigo clássico dos milhões Vasco e Flamengo atraiu pouco mais de 14 mil pagantes num jogo sofrível pelo Brasileiro. Enquanto isso, na Alemanha, o público subiu de 33 mil na temporada 2001/2002 para 45 mil na 2011/2012. Os ingressos se tornaram mais acessíveis, e clubes como Bayern e Borussia Dortmund se consolidaram como potências mundiais. Júnior, ex-jogador do Flamengo e da seleção, analisa o impacto disso e cita o exemplo da volta por cima do italiano Juventus, vice-campeã mundial. "Não posso conceber uma pessoa física como o Zico ter um CT e um clube não. Há quatro anos, quando o Juventus construiu outro estádio, sem pista de atletismo, voltou a ser um dos principais clubes. A possibilidade de captar em termos econômicos faz com que permaneça no topo. Tanto que o Milan está tentando construir o seu", afirma Júnior.
3 - Corrupção e má gestão por parte dos dirigentes
Os escândalos envolvendo (ex-) dirigentes da CBF, que vieram à tona com as investigações do FBI sobre a Fifa, são velhos conhecidos do futebol brasileiro. Seja nos clubes, nas federações, na arbitragem, a Lei de Gérson é aplicada dentro e fora das quatro linhas. Enquanto o futebol se pretende um esporte profissional, falta profissionalismo a seus dirigentes. A gestão amadora torna os clubes endividados não apenas por má-fé, mas também por incompetência. Para Ricardo Borges Martins, diretor-executivo do Bom Senso F.C., a gestão amadora tem vários aspectos: "Ela tem desde a forma associativa não remunerada dos clubes até a falta de responsabilização dos dirigentes. Não temos na Lei Pelé a definição do que seja gestão temerária, um dos benefícios da MP do Futebol, que mostra os critérios que cada gestor deve atender e a punição", compara Martins, citando a Medida Provisória 671, aprovada ontem pela Câmara, que prevê refinanciamento da dívida dos clubes.
4 - Falta de renovação técnica e de treinadores
Sem a evolução do padrão tático e técnico, o Brasil fica refém de talentos individuais, como a "Neymardependência". A insistência na manutenção de treinadores como Dunga, com sua filosofia inspirada na força física, leva à repetição constante dos mesmo erros. Pepe, que já foi treinador de Pep Guardiola no Qatar, concorda que o Brasil parou no tempo, enquanto outros países como a Espanha evoluíram. "O Guardiola era um jogador sempre de cabeça em pé. Ele tinha uma admiração pelo futebol brasileiro. Certa vez, ele me disse que nunca tinha cabeceado uma bola porque a cabeça é para pensar. É um técnico muito estudioso. Ele saía para outros países para observar os futuros adversários. Depois, ele meteu quatro no Santos com o Barcelona", lembra Pepe sobre a final do mundial interclubes de 2011, vencida pelo time espanhol por 4 a 0. Júnior, que já foi técnico e dirigente do Flamengo, compara a realidade brasileira com a de países europeus: "Não temos uma escola como a da Itália em que há técnicos fazendo reciclagem, gente vindo de fora. Aqui, infelizmente, não há uma escola nacional para treinadores".
5 - Calendário apertado e mal formulado
Com campeonatos estaduais ocupando o primeiro semestre em jogos sofríveis, o Brasileiro fica espremido na segunda metade do ano, sem parar na Copa América e dividindo atenção com a Copa do Brasil, um torneio mais fácil de se ganhar, sem falar na Taça Libertadores, que as equipes grandes costumam priorizar. Com partidas espremidas no meio e no fim de semana, a maratona afeta o desempenho não apenas dos clubes como da própria seleção brasileira. O presidente do Atlético-PR, Mario Celso Petraglia, defende uma reforma: "Sou a favor da adequação ao calendário europeu. Aqui, enfraquecemos no meio da competição, e o produto fica pior. As federações insistem na manutenção, pois é desses estaduais que elas sobrevivem com seus dízimos e carimbadas. Temos que modernizar. A fórmula ideal não tenho, mas sei que o que está aí faliu", diz.
6 - Despreparo para lidar com a fama e fortunas repentinas
O descontrole emocional visível no choro e na fuga da responsabilidade do capitão Thiago Silva, na Copa, e no destempero e na agressividade de Neymar, na Copa América, são reflexos de despreparo psicológico. Oriundos de classes baixas e desacostumados com todos os mimos da fama e das fortunas, os jogadores têm comportamento muitas vezes de estrelas (de)cadentes. Não apenas os astros, mas também aqueles de ascensão e queda meteóricas. Pseudocelebridades, vestidos com os trajes da moda duvidosa, precisam descer do salto alto e desarrumar mais o cabelo estilizado para pensar não apenas intelectual, mas tecnicamente em campo. O psicólogo José Carlos Araujo, do Serviço de Psicoterapia, Informação e Orientação Psicológica do Rio de Janeiro (Spio-RJ), mostra o que falta em campo: "Ensinamentos, disciplina, treinamentos intensos. Alguns esportes,como vôlei, cresceram com a associação dos fundamentos com a tecnologia e a psicologia. Já o futebol brasileiro perdeu o seu glamour dentro de campo para ser glamouroso fora dele".
7 - Baixa qualidade da educação e formação
Enquanto a Alemanha investiu US$ 10.904,00 em média anual por aluno dos ensinos fundamental, médio e superior, de acordo com o relatório Panorama da Educação de 2014 da OCDE, o Brasil gastou apenas US$ 3.066,00, ficando na penúltima posição do ranking do estudo, à frente apenas da Indonésia (US$ 625,00). Da mesma forma, a nação comandada por Angela Merkel pagava média de salário anual para os professores de US$ 60.528,00, deixando o país atrás apenas de Suíça (US$ 63.086,00) e Luxemburgo (US$ 76.685,00), referências mundiais em educação, mas não em futebol. Na lanterna, a "Pátria Educadora" desembolsou apenas US$ 10.375. 
Ao mesmo tempo, alguns estádios, como a HDI-Arena, do Hannover 96, têm até creche. Já no Brasil, a Justiça precisou proibir a demolição da Escola Municipal Friedenreich, no Complexo Maracanã, às vésperas da Copa. Hoje, a Federação Alemã possui 360 centros de treinamento, atendendo a 25 mil meninos e meninas entre 9 e 17 anos. O sociólogo Ronaldo Helal, professor de Comunicação Social da Uerj e Coordenador do Laboratório de Estudos em Mídias e Esportes, analisa a situação. "Tem um impacto claro. Os jogadores brasileiros têm uma escolaridade bastante deficitária. Se compararmos o nível intelectual da seleção alemã, eles sempre vão ganhar de 7 a 1. O Brasil usava o futebol como mecanismo de escape para acreditar que o primeiro mundo éramos nós. Não somos mais absolutos. Vamos esperar outro Neymar?", indaga Helal.

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