O secretário de Segurança do Rio diz que droga é problema de saúde, não de polícia – e que a descriminalização do uso não pode passar deste governo
José Mariano
Beltrame, homem forte da segurança do Estado do Rio de Janeiro há
mais de oito anos, nem na Europa consegue passear. Está a trabalho, em Portugal
e na França. Num momento em que a descriminalização do uso de drogas é
debatida no Brasil, no Supremo Tribunal Federal (STF), ele admira a
estratégia do governo português para lidar com o problema.
Tossindo forte, “com uma farmácia na bagagem”,
Beltrame aproveita a viagem de uma semana para ler O homem que amava os
cachorros, livro do cubano Leonardo Padura sobre o assassinato do
revolucionário Leon Trótski, em 1940, a mando do líder da União Soviética,
Josef Stálin. Está em um hotel sem luxo, ao lado da Sorbonne, em Paris. Na
pasta preta, o documento de cima o amolece. É um desenho feito pelo garoto
Francisco, de 5 anos, filho de Beltrame. Mostra pai e filho de mãos dadas. “O
Francisco fez para eu me lembrar dele na viagem.” Horas antes de pegar o trem
para ir a Nice abrir um seminário sobre Cidades inovadoras, Beltrame falou a
ÉPOCA sobre bandidos, policiais, cidadãos e drogas.
ÉPOCA – O que o senhor aprendeu nesta viagem?
José Mariano Beltrame – Fiquei encantado com a descriminalização das drogas em Portugal. De todas as drogas, inclusive heroína, cocaína. O programa começou em 2000. No Brasil, não pode passar deste governo a descriminalização do uso.
José Mariano Beltrame – Fiquei encantado com a descriminalização das drogas em Portugal. De todas as drogas, inclusive heroína, cocaína. O programa começou em 2000. No Brasil, não pode passar deste governo a descriminalização do uso.
A guerra à droga é perdida, irracional. Podemos
começar pela maconha. Convidei os portugueses para ir ao Brasil na Semana do
Policial, em novembro, e contar a experiência de seu país. Em Portugal, o
assunto “drogas” não está inserido na polícia, mas no Ministério da Saúde. Com
a ajuda de juízes, procuradores, psicólogos, médicos, e integrantes da
sociedade civil. A polícia pega o usuário e ele é convidado a participar de
encontros. São 90 clínicas em Portugal, completas com toda a assistência,
voluntários e visitas. E uma comissão fiscaliza isso. Todos se juntaram para
combater essa doença, porque o vício é uma enfermidade, e não
um crime. Sem vaidade, sem luta de poder.
"No Brasil, tiro fuzis da polícia, mas a
população continua a querer se armar. Estamos em retrocesso"
ÉPOCA – No Brasil, estamos longe desse consenso...
Beltrame – No Rio, as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) são uma forma de reconhecer o problema da droga, mas não abordar de uma forma belicista. Nunca foi nosso objetivo acabar com as drogas. É impossível. Parece que os brasileiros não acordam para o desperdício dessa guerra. Não existem vitoriosos.
Beltrame – No Rio, as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) são uma forma de reconhecer o problema da droga, mas não abordar de uma forma belicista. Nunca foi nosso objetivo acabar com as drogas. É impossível. Parece que os brasileiros não acordam para o desperdício dessa guerra. Não existem vitoriosos.
Descriminalizando o uso, um dos efeitos é o alívio
na polícia e no Poder Judiciário, que podem se dedicar aos homicídios, aos
crimes verdadeiros. Mas, olhe só: o governo federal está preparando um plano
nacional de redução de homicídios sem consultar os Estados. Eu não fui
consultado. Como não ouvir as secretarias estaduais para aprender com acertos e
erros? Espero que o plano não envolva só questões policiais. Que venha com o
foco de recuperar mecanismos sociais para prevenir a violência. A polícia nada
mais é que a seta.
ÉPOCA – O senhor é a favor do desarmamento. Como vê
as pesquisas, no Brasil, que vão em sentido contrário?
Beltrame – Nos Estados Unidos, o presidente Barack
Obama vai à televisão se colocar pessoalmente contra a venda
indiscriminada de armas, que certamente contribuiu para o massacre de
negros por um jovem branco (na cidade de Charleston, em 17
de junho). Não importa se é no Alabama ou em Louisiana, o presidente não
foge de tomar uma posição, e diz: “Se não foi possível regular as armas, temos
como nação a obrigação de resolver o problema”. No Brasil, estamos em
retrocesso. Eu tiro fuzil de policiais, levo uma surra quando tento
tirar armas de bombeiros e uma grande parte da população continua querendo se
armar.
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