Marilene Parente - Mesmo em tempos modernos, nós adultos
costumamos tratar as crianças como se fossem todas incapazes mentais sem
condições de discernimento sobre diversos assuntos. Esquecemo-nos que elas são,
em muitos casos, caixas de ressonância da gente. Elas prestam mais atenção do
que a maioria de nós imagina. Dependendo do meio onde elas crescem, podem se
interessar até por assuntos que nos surpreendem, como a política. E é disso que
vou tratar neste artigo.
A desconfiança com a política é um sentimento
muito presente entre as crianças. Segundo a "Conicktados",
pesquisa feita pelo canal infantil de televisão por assinatura Nickelodeon (do
grupo Viacom Brasil) com o instituto QualiBest, o pensamento de que os
políticos seriam uma farsa atinge cerca de dois terços das 120 crianças
participantes do levantamento. Entre os entrevistados estão crianças de São
Paulo e Rio de Janeiro, com idades entre sete e 12 anos, das classes A, B e C.
A menina Larissa, de 10 anos, aluna da escola
municipal Amorim Lima, de São Paulo, é um exemplo dessa amostragem. "Tem
umas coisas que os candidatos falam que não têm noção. O país tá precisando de
água, de comida. De que adianta ficar falando de cachorro?", disse ela. A
crítica dela é uma referência a candidatos a deputado que aparecem no horário
eleitoral falando de proteção aos animais como principal proposta.
A visão das crianças sobre a política não
deixa de ser um reflexo do sentimento dos pais sobre o tema. A gente vê que tem
um efeito que é o das conversas dos pais. Os votos acabam sendo parecidos, as
falas acabam sendo parecidas. É uma reprodução, mas nessa ocasião as crianças
podem refletir sobre essas coisas, o que, em outros momentos, não teriam chance.
É comum ouvir crianças dizendo que seus pais falam que não sabem em quem votar
porque são todos ruins.
As crianças chegam a questionar o sistema
político. Outro dia prestei atenção quando uma criança estava dizendo que não
confia no sistema democrático porque só as pessoas do governo sabem o que
acontece. Por ouvir os pais falarem sobre isso, ela disse até que cogitava uma
volta do militarismo. Cruz cedo!
Para a doutora e professora da Faculdade de
Educação da USP Silvia Colello, esse tipo de fala reflete a insatisfação
do que a criança vê como democracia em seu cotidiano. "Ela está se
remetendo a problemas como corrupção, mensalão. A democracia tem como princípio
ser transparente. A voz que ela emite é da democracia roubada, da democracia
corroída", explica a pedagoga. "Ela está representando uma corrente
que está desencantada."
Apesar de descrentes sobre alguns políticos,
as crianças são favoráveis a votar. Acham importante votar porque a gente pode
eleger o presidente que a gente quer, costumam dizer àquelas crianças que vivem
em lares onde os pais discutem política com frequência.
Acho que a sociedade em geral tem uma visão
de que criança não entende um tanto de coisas e que, por isso, não pode
participar desse tanto de coisas. Uma dessas coisas é política. Na hora em que
isso começar a acontecer, na hora em que a sociedade e as famílias começarem a
escutar mais as crianças, a participação política vai ser natural.
Em uma pesquisa recente feita sobre o tema,
cerca de 60% das crianças afirmaram que gostariam de participar da cena
política, dando sua opinião. Outros 40% creem que ainda são muito novas ou que
não têm opinião para contribuir.
Existe uma necessidade de rever o papel que
as crianças têm na sociedade. A gente tem de pensar que essas crianças todas
vão crescer e que o futuro estará na mão delas. Quanto mais cedo a gente conseguir
colocar essas crianças em uma situação de vantagem para pensar sobre si mesmas,
para pensar sobre as cidades, sobre seu país, mais chance temos de ter um país
mais legal daqui a uns anos.
A escola não deveria
perder a oportunidade de trazer um grande acontecimento à baila cada vez que um
deles acontece. A criança não é passiva diante do mundo. A criança vai
aprendendo com os acontecimentos do mundo.Artigo publicado na edição 188 de Jornal do Comércio, de Marilene Parente
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