terça-feira, outubro 21, 2014

Maioria das crianças considera políticos uma farsa

Marilene Parente - Mesmo em tempos modernos, nós adultos costumamos tratar as crianças como se fossem todas incapazes mentais sem condições de discernimento sobre diversos assuntos. Esquecemo-nos que elas são, em muitos casos, caixas de ressonância da gente. Elas prestam mais atenção do que a maioria de nós imagina. Dependendo do meio onde elas crescem, podem se interessar até por assuntos que nos surpreendem, como a política. E é disso que vou tratar neste artigo.
A desconfiança com a política é um sentimento muito presente entre as crianças. Segundo a "Conicktados", pesquisa feita pelo canal infantil de televisão por assinatura Nickelodeon (do grupo Viacom Brasil) com o instituto QualiBest, o pensamento de que os políticos seriam uma farsa atinge cerca de dois terços das 120 crianças participantes do levantamento. Entre os entrevistados estão crianças de São Paulo e Rio de Janeiro, com idades entre sete e 12 anos, das classes A, B e C.
A menina Larissa, de 10 anos, aluna da escola municipal Amorim Lima, de São Paulo, é um exemplo dessa amostragem. "Tem umas coisas que os candidatos falam que não têm noção. O país tá precisando de água, de comida. De que adianta ficar falando de cachorro?", disse ela. A crítica dela é uma referência a candidatos a deputado que aparecem no horário eleitoral falando de proteção aos animais como principal proposta.
A visão das crianças sobre a política não deixa de ser um reflexo do sentimento dos pais sobre o tema. A gente vê que tem um efeito que é o das conversas dos pais. Os votos acabam sendo parecidos, as falas acabam sendo parecidas. É uma reprodução, mas nessa ocasião as crianças podem refletir sobre essas coisas, o que, em outros momentos, não teriam chance. É comum ouvir crianças dizendo que seus pais falam que não sabem em quem votar porque são todos ruins.
As crianças chegam a questionar o sistema político. Outro dia prestei atenção quando uma criança estava dizendo que não confia no sistema democrático porque só as pessoas do governo sabem o que acontece. Por ouvir os pais falarem sobre isso, ela disse até que cogitava uma volta do militarismo. Cruz cedo!
Para a doutora e professora da Faculdade de Educação da USP Silvia Colello, esse tipo de fala reflete a insatisfação do que a criança vê como democracia em seu cotidiano. "Ela está se remetendo a problemas como corrupção, mensalão. A democracia tem como princípio ser transparente. A voz que ela emite é da democracia roubada, da democracia corroída", explica a pedagoga. "Ela está representando uma corrente que está desencantada."
Apesar de descrentes sobre alguns políticos, as crianças são favoráveis a votar. Acham importante votar porque a gente pode eleger o presidente que a gente quer, costumam dizer àquelas crianças que vivem em lares onde os pais discutem política com frequência.
Acho que a sociedade em geral tem uma visão de que criança não entende um tanto de coisas e que, por isso, não pode participar desse tanto de coisas. Uma dessas coisas é política. Na hora em que isso começar a acontecer, na hora em que a sociedade e as famílias começarem a escutar mais as crianças, a participação política vai ser natural.
Em uma pesquisa recente feita sobre o tema, cerca de 60% das crianças afirmaram que gostariam de participar da cena política, dando sua opinião. Outros 40% creem que ainda são muito novas ou que não têm opinião para contribuir.
Existe uma necessidade de rever o papel que as crianças têm na sociedade. A gente tem de pensar que essas crianças todas vão crescer e que o futuro estará na mão delas. Quanto mais cedo a gente conseguir colocar essas crianças em uma situação de vantagem para pensar sobre si mesmas, para pensar sobre as cidades, sobre seu país, mais chance temos de ter um país mais legal daqui a uns anos.
A escola não deveria perder a oportunidade de trazer um grande acontecimento à baila cada vez que um deles acontece. A criança não é passiva diante do mundo. A criança vai aprendendo com os acontecimentos do mundo.

Artigo publicado na edição 188 de Jornal do Comércio, de Marilene Parente

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